Por Elisandra Galvão (VPPCB/Fiocruz)
O seminário Conexões da pesquisa com a sociedade num contexto de crise socioambiental, realizado em 22 de outubro na Fiocruz, marcou mais uma etapa do Fórum Oswaldo Cruz – processo que vem mobilizando a Fundação desde agosto para construir, de forma participativa, o Plano de Desenvolvimento Institucional da Pesquisa. O encontro, que integrou a programação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, reuniu especialistas e trabalhadores da Fiocruz, além de representantes de movimentos sociais e povos tradicionais para discutir a ciência feita na Fundação e suas conexões com os desafios contemporâneos e ancestrais dos territórios. O Fórum Oswaldo Cruz faz parte das celebrações dos 125 anos da Fiocruz.

Foto: Peter Illiciev
Para o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel Fernandes (segundo da direita para a esquerda), “pensar a ancestralidade é pensar o futuro dos territórios e da saúde, e devemos fazer isso em coconstrução com a sociedade civil”.
A vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Alda Maria da Cruz, abriu o evento destacando que o Fórum é um espaço de construção coletiva da agenda científica da instituição. “Estamos em um processo que envolve toda a comunidade de pesquisa e a sociedade civil. É um conjunto de discussões importantes para gerar o plano de desenvolvimento da pesquisa institucional”, afirmou.
O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, Valcler Rangel Fernandes, moderador da mesa, reforçou que o debate sobre pesquisa e a conexão com a sociedade civil é fundamental diante da crise ambiental e climática. “Precisamos pensar a dimensão ancestral com a mesma importância que damos à dimensão de futuro. Pensar a ancestralidade é pensar o futuro dos territórios e da saúde, e devemos fazer isso em coconstrução com a sociedade civil”, defendeu. Para ele, refletir sobre o território é também enfrentar as dinâmicas de poluição e as mudanças climáticas. “Outra ciência é necessária. Qual a ciência que precisamos fazer para enfrentar a crise?”, provocou.
A palestrante convidada, Ana Maria de Castro Tavares da Costa, da Área de Mudanças Climáticas e Equidade em Saúde do Ministério da Saúde, ressaltou a importância de fortalecer o vínculo entre a produção científica e a formulação de políticas públicas. “É essencial antecipar as situações que envolvem desastres e trabalhar com base em evidências para aprimorar planos concretos de enfrentamento aos impactos das mudanças climáticas, adaptando o SUS para isso e garantindo acesso a dados para prevenção à população”, disse. Ana destacou ainda a necessidade de realizar pesquisas nos próprios territórios e de compreender as doenças em conexão com o ambiente: “muitas delas são consequência direta do aumento das temperaturas”.
A história de luta do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) foi lembrada por Suelen Souza, representante do movimento. Ela observou que são 34 anos de luta. O MAB surgiu das contradições geradas pela construção de barragens no país e se organizou a partir das reivindicações de direitos. Tanto os direitos humanos quanto os direitos ambientais são fundamentais para o movimento. “As barragens mudam o curso dos rios e as formas de vida das pessoas. O direito à saúde é o primeiro a ser violado — não apenas pelo caos dos desastres, mas pela destruição dos laços e pelos impactos à saúde, como o adoecimento psicológico”, relatou. Na avaliação de Suelen, não se trata de uma crise da natureza, mas do sistema capitalista.
Ela destacou a parceria entre o MAB e a Fiocruz, formalizada por um termo de cooperação técnica. “Com a Fiocruz, construímos coletivamente diagnósticos e novos saberes sobre os atingidos por barragens. Esse trabalho percorreu o Brasil e mostrou que é possível fazer pesquisa científica a serviço da classe trabalhadora, pois nem toda pesquisa é voltada para essa classe”, concluiu.
O representante do Movimento Indígena Potigatapuia, Elvis de Melo Silva, cacique Aroerê Tabajara da Aldeia Mundo Novo Monsenhor Sabora, no Ceará, trouxe uma reflexão sobre espiritualidade e território. “Não se pode falar de espiritualidade sem consultar os ancestrais. Quando a natureza está ferida, nós também estamos feridos porque os indígenas tratam o meio ambiente com outra cosmovisão”, explicou.
Ele relatou os impactos das atividades do Consórcio Santa Quitéria – parceria da Indústrias Nucleares do Brasil com a empresa Galvani –, que consome milhares de litros por hora em uma região semiárida onde o abastecimento das aldeias depende de carros-pipa. “Há água para minerar, mas não há para os seres humanos. Os agrotóxicos já estão no território. Não adianta falar em pesquisa humanizada se não há território para os povos indígenas”, alertou.
Encerrando o debate, Valcler Rangel enfatizou que pensar a ancestralidade é condição para enfrentar os desafios da ciência contemporânea. Para ele, é preciso refletir sobre o direcionamento da pesquisa e o seu papel social. A ciência deve ter um posicionamento e ser guiada por direitos — os direitos das florestas e dos rios, de gênero e reprodutivos, e raciais e indígenas”, ponderou. Ele enfatizou ainda a importância de ampliar a noção de direito e reconhecer a relação entre pessoas e territórios. Ele mencionou também o conceito de corpos-territórios e a importância de olhar as pessoas a partir de suas histórias no território e entender os direitos de contexto, como nos territórios com barragens.